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2011-05-22

Simca Chambord


Quem se lembra das coisas que fazia aos dois anos de idade? Quem se lembra das coisas que aconteciam ao seu redor quando tinha três anos de idade? Ainda lembro-me de alguma coisa vivida no princípio de minha vida, mas confesso que boa parte dessa memória eu retenho graças às fotografias em que me reconheço.
Recordo-me da viagem que fiz com minha família à Foz do Iguaçu. Uma das melhores recordações que retive daquela aventura é a do valente Simca Três Andorinhas de meu pai. Acredito que esse tenha sido o primeiro registro na minha memória automobilística.
Naquele tempo, atravessar o Paraná de automóvel era uma aventura e atravessar o Paraná com toda a família dentro do carro, incluindo um bebê, era uma grande aventura. Na década de 60 não havia caixas de banco eletrônicos e nem telefones celulares. Com isso nem precisava dizer que um aparelho GPS particular nem constava como ficção.
Naquele tempo a viagem demorava dias. As estradas não tinham asfalto e, por isso, o carro ficava todo vermelho, tingido pela poeira da terra roxa do Paraná, levantada do chão pelos pneus dos automóveis em tamanha quantidade que tínhamos que guardar enorme distância do veículo dianteiro para não sermos engolidos pela nuvem encarnada que nos cerrava completamente a visão da estrada e até da paisagem. Mesmo assim, era inevitável que aquele pó fino entrasse no habitáculo do Simca e se entranhasse pelas costuras do forro das portas e dos bancos, assim como pelas fibras dos tecidos de nossas roupas. Tudo ficava tingido, avermelhado. Nossas peles ganhavam cor de saúva.
Lembro-me de minha mãe com um lenço no rosto, sobre o nariz e boca para não respirar aquela poeira das estradas paranaenses. Lembro-me de viajar deitado ao comprido no banco inteiriço da frente do Simca, com a cabeça no colo de minha mãe e a mamadeira de leite na boca, coberto por um leve lençol que me protegia do pó escarlate e do calor intenso daquele, então, longínquo interior brasileiro.
Bem pequeno, raramente eu tinha visão da paisagem que lá fora do Simca não parava de passar em alta velocidade. Eram horas seguidas de viagem, que meu pai passava segurando o volante de seu bravo Simca Tufão. E eu, ora sentado na frente ao colo de minha mãe, ora sentado no banco traseiro entre minhas irmãs e o pequinês, entretinha-me a explorar o interior do carro e a observar seus pormenores.
O que eu mais gostava de olhar era o painel de instrumentos com o velocímetro horizontal, onde as vezes eu via o ponteiro correr da esquerda para a direita, marcando 50, 80, 100, 130, 140 e, as vezes, 160 km/h. Várias peças cromadas ornavam o tablier do Simca, seu interior e também o exterior da carroceria. Até hoje guardo comigo o emblema V8 estilizado do Simca Chambord. Considero esta peça um belo exemplo de design da época, além de ser um objeto que faz parte da minha história, pois ele fez parte do meu “berço automóvel”, nos idos de 66, como diz a letra da música cantada por Marcelo Nova do Camisa de Vênus.
Seria mentiroso se eu dissesse que não tenho saudades do Simca bicolor de meu pai e do som de seu pequeno motor V8, que tantos sonos me embalou e tanto me ensinou sobre mecânica e velocidade.
Da próxima vez vou contar uma história do segundo automóvel que registrei na memória, o Renault Dauphine.
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